segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O ATELIÊ


 
Pela fresta estreita de janela, uma brisa lança em vôo a densa cortina, deixando assim que se mostrem tubos, latas, penas e cavaletes tombados. No alto de uma estante metálica, descansam oito esculturas, formas talhadas em madeira e sabão. Enquanto em outro canto quase ao breu, um enorme vaso estilizado abriga flores mortas, cujas pétalas secas se espalham no chão. 

Já mais próximo à janela, levanta-se uma única tela descoberta, borrada e interminada, como se vítima fosse de um súbito abandono e condenada a perecer assim, pela metade. Naquele painel surge uma cor, que vem dos cantos superiores, traçada para baixo. Vista na chama e no ouro, é o tom da sorte de se ver nascer mais um dia. E ganhar mais outro pra simplesmente viver.

Com o azul, pintou matas, serras e florestas. Do açúcar fez caramelo. Pois é o mesmo tal de amarelo, escorrido para o centro da pintura, que celebra uma nova mistura, do encontro com um novo pigmento.  

Uma outra cor, um carmim escaldante, dos batons baratos, acostumados a corar no espelho as bocas cheias de paixão. Arrasta-se de baixo para o meio este vermelho. É o sangue que pulsa, é vida. Não se duvida que casado a um anil suave, coloriu de lilás uma mínima camisola, incapaz de esconder os contornos de um corpo perfeito de mulher.

Todavia, jazem ali, mescladas naquela tela. E por mais belas que sejam, não produziram juntas mais que um marrom. Um marrom sem encantos, distante da pele ardente da mulata estonteante. Pode até lembrar o café perfumado das manhãs apressadas, ou quem sabe, ao máximo, um saboroso chocolate das noites frias da segunda infância.

Irremediavelmente misturadas e feias, num cromo melancólico e saudosista. É como se imaginam e lamentam. - Não deveriam deixar o azul - não param de lamuriar. Este, sim, segue reinando no alto dos dias de sol e das noites de lua, tom sobre tom.

Pois nesta tarde, finalmente, invertem-se os sentidos das pinceladas. E para tal, bastava assim querer enxergar. Do centro, onde são lama, se afastam para as extremidades, onde são únicas, acesas. E caminham assim, como um milagre, cores vivas outra vez, ainda meio desbotadas, solvidas por esparsas gotas de lágrima, por culpa da separação. 
 
Leônidas Falcão

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