Entre 2010 e 2011, Gracindo Júnior lançou uma produção em homenagem a pai, intitulada "Paulo Gracindo, O Bem Amado". Enquanto o filme esteve no cinema, não tive tempo de vê-lo, mas me mantive tranquilo, porque resolvi comprar o DVD para manter em meu acervo, uma vez que sempre fui fã em potencial do falecido ator. Pois foi, todavia, não ir ao cinema a grande trapalhada que cometi: não encontrei - pasmem! - o material nas locadoras e nem tampouco nas lojas que vendem CDs e DVDs. De onde só pude depreender uma coisa: morto em 1995 e pouco conhecido pela atual geração, não foi por excesso de procura que o filme não estava em prateleira nenhuma, mas exatamente pelo contrário. D'onde só pude chegar a uma conclusão : O BRA-SIL É IG-NO-RAN-TE PRA CA-RA-LHO !
É o fim da picada! Que diabo de país sem memória é este?! É uma heresia não conhecer ou não se interessar pela vida e obra de um ator da importância de Paulo Gracindo na história da dramaturgia brasileira. Essa gente confunde bunda, peito, músculos e volume de piroca com talento artístico e arte dramática. Francamente, é desolador!
Pois então, sem querer ficar aqui traçando uma biografia do ator, Paulo era Pelópidas Guimarães Brandão Gracindo, nascido em Alagoas, em 1911, e morto em 1995, portanto aos 84 anos, após representar inúmeros personagens com o brilho peculiar aos artistas de primeira grandeza. Formado em Direito e homem de educação refinada, não encontrou dificuldades para encarnar em "Bandeira 2" (1972) o banqueiro de bicho Tucão, sujeito de modos grosseiros e linguajar carregado de gírias e vícios de linguagem, perfeito boçal em quem você jamais veria a figura do gentil e simpático Paulo Gracindo. Em "O Cafona" (1971) faz um milionário em processo de falência, figura absolutamente antagônica à do bicheiro, que em nada se parecia com o contraventor.
Viveu um político demagogo em "O Bem Amado", história anedótica e primorosa de Dias Gomes (primorosa como todas as que o autor escreveu, inclusive "Bandeira 2"). Era então o prefeito Odorico Paraguassu, coronel baiano que , na falta de competência e de projeto político, canalizou todas as energias de sua administração para a construção e tentativa de inauguração de um cemitério.
Mas o seu papel que mais me impressionou foi o do coronel Ramiro Bastos, em "Gabriela", adaptação de George Walter Durst do romance "Gabriela, Cravo e Canela", de Jorge Amado. Velho decrépito mas de atitudes vigorosas, de autoridade e maldade estampada no olhar, capaz de arrepiar de medo qualquer lavrador, jagunço, coronel ou cristão, fez do ator convincente a ponto de a gente ler em seu semblante a própria manifestação do mal.
Mas, entre os momentos que vi de Paulo Gracindo, o que mais me enlevou, mais me comoveu foi aquele em que, abraçado a Lima Duarte (outro talento que não tenho palavras pra definir), num dos intervalos das filmagens de "O Bem Amado", Lima lhe indaga como ele, Gracindo, conseguia conviver com a crueza de voltar ao cotidiano após deliciar-se de viver os seus personagens da ficção, ao que Paulo respondeu que tal não lhe acontecia por não viver a realidade, mas os seus personagens em sua ficção. Confesso que me comovi com aquilo, e percebi que Paulo Gracindo foi muito mais do que um grande ator: foi também uma criatura naturalmente poética, que produzia poesia através da sua própria existência, independentemente de escrever ou não um verso que fosse.
Barão da Mata
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