domingo, 23 de agosto de 2015

DESMITIFICAÇÃO À FIGURA DE CHICO BUARQUE


As pessoas têm uma necessidade incontinente de aumentar as dimensões de fatos ocorridos em relação a pessoas de renome.  Exemplo disto são os mitos criados em torno de Chico Buarque de Hollanda, esse mesmo Chico Buarque que no passado compôs tantas músicas de protesto contra a ditadura miltar e hoje presta seu apoio a um governo e um partido rejeitados por  93 % da população nacional - apesar de todos os erros e desmandos cometidos neste últimos 12 anos, em que o PT esteve e está com o timão do país nas mãos.
Tenho o maior respeito pela pessoa e uma admiração simplesmente desmedida pelo  Chico Buarque compositor, escritor, teatrólogo,  poeta,  pela maestria e genialidade como aborda em seus trabalhos o cotidiano e o trivial, pela entonação poética que empresta a narrativas de fatos e situações mais corriqueiros, pela sua invejável capacidade de versejar, pela inacreditável diversidade de sua temática e abordagem de todos os temas existentes, sua criatividade e seu  talento em compor e cantar inúmeros ritmos (samba, ritmos nordestinos, operetas, valsa, samba- canção, tango entre outros), sua genialidade como criador, homem de letras e músico.   Por outro lado, contudo, sinto-me na obrigação de desfazer o mito que as gerações passadas criaram em torno de sua imagem.
O homem que dizem ter sido preso e exilado por enferentar a ditadura não é exatamente a figura que os criadores de heróis produziram.  Diz a lenda que, por protestar contra o regime militar, foi preso e exilado. A história não é bem assim, e ele próprio corrobora minha versão em entrevistas nos vários DVDs que gravou, sob a direção de Roberto de Oliveira e patrocínio de algumas empresas brasileiras.  A peça "Calabar" foi simplesmente proibida.  Sua criação foi muitas vezes prejudicada, vetada e tolhida pelos censores da ditadura.  Os riscos a que expôs a própria integridade física não são fictícios - embora não fosse comum colocar artistas famosos no rol de mortos e desaparecidos do regime.  Mas as circunstâncias que o colocam no período de 1967 e 1971 fora do Brasil são bem diversas das tão propaladas por aqui.
Numa das apresentaçõs de " Roda Viva", no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, o CCC (Comando de Caça aos Comunistas) invadiu a sala e espancou os atores, dentre os quais estavam Marília Pera, Marieta Severo, Antônio Pedro... talvez por algum equívoco, segundo próprio compositor.   No mesmo prédio, em outra sala de teatro, levavam uma peça em que um ator que fazia um militar simulava evacuar no próprio capacete.  No dia em que invadiram o prédio, esta peça de protesto não estava sendo apresentada, mas "Roda Viva", sim.  Dias depois Chico foi detido e interrogado por um coronel que afirmou que "Roda Viva" era uma peça política, ai que o artista retorquiu que tratava-se de uma história sobre os bastidores do mundo artístico. Quando o oficial falou da cena do soldado.  Não respondeu Chico para não comprometer o diretor, José Celso Martinez, achando que este modificara o enredo.  Entretanto reafirmou que a obra não tratava mais do que do lado pouco visível do mundo das artes.  Foi liberado no mesmo dia, sob o alerta de não se afastar da cidade sem a autorização do coronel.  Autorização esta pedida e obtida pouco tempo depois, para que o compositor fosse a Roma, de onde só voltou 3 ou 4 anos depois.
Não há aqui, como se vê, um caso como o de Geraldo Vandré, de Gilberto Gil e Caetano Veloso, todos exilados, tendo o primeiro perdido o emprego que tinha na extinta SUNAB por sua composição "Pra Não Dizer que Não Falei das Flores (Caminhando)" e passou por tantas agruras que voltou ao Brasil nos idos da abertura democrática de 1979 negando o sentido de sua canção.
Nada disto faz Chico Buarque menos genial do que é (o seu talento é impressionante, está acima das minhas condições de avaliá-lo).    Nem retira do seu histórico implacáveis e ostensivas  perseguições sofridas com o patrocínio da extinta Censura Federal como um todo e especificamente da famosa dona Solange, que vetava por vetar  todo e qualquer  trabalho em que Chico figurasse como autor.  Os reacionários tornavam a menção do seu nome um sacrilégio, e era-lhe difícl compor e gravar por aqui. Tanto que precisou adotar  pseudônimos para poder ter suas músicas liberadas, como por exemplo Julinho da Adelaide.  Nada também reduz a sua importância história dentro da MPB e dentro da própria história artístico-política nacional.  Da mesma forma como é inegável a sua coragem em protestar, porque aqui muitos morriam ou simplesmente desapareciam. Sua coragem está nas próprias composições, muito inteligentemente sutis ou de duplo sentido, sem uma alusão direta aos militares nem a contundência cristalina de Vandré em "Caminhando".  "Apesar de Você" é que é um trabalho bem mais arrojado  e mais incauto, composto também na fase mais aguda da ditadura.
Se Chico é um mito, isto se dá por sua coragem de sempre contrariar os desígnios dos militares, por sua já aludida coragem. Mas não é Pablo Neruda, que se deu à causa política numa atividade obstinada.  Não é Graciliano Ramos, enclausurado num cárcere de Getúlio Vargas (acontecimento que o levou a escrever as "Memórias do Cárcere").  Muito menos Thomas More, que escreveu a "Utopia", ilha fictícia onde as pessoas viviam em condições igualitárias e não havia propiriedade privada, e acabou decapitado poelo despótico Henrique VIII.  Permanece  respeitável, apesar de sua conduta política hoje - decorrente -  será? - de laços emocionais com a sigla petista, já que ele e sua falecida  mãe são fundadores do partido?  Se este é o motivo, aí Chico me decepciona, porque a gente pode crer e defender uma estrutura de qualquer espécie, mas, quando tal estrutura fica muito aquém das nossas expectativas, é perfeitamente cabível o rompimento, pois do contrário nos tornamos sectários irracionais, sob o risco de incidirmos até no fundamentalismo.
E mais: a postura de Chico Buarque o faz um homem totalmente antagônico àquele que por anos e anos combateu a repressão e os desmandos políticos no Brasil.  

Barão da Mata

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