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domingo, 21 de julho de 2013

LOBATO

  Conheci Lobato quando eu tinha ainda meus quinze anos. Morava na Penha.  Devia já estar ele pelos seus sessenta a sessenta e cinco anos. Era culto e tinha voz firme. Cabeça branca, magro, enrugado, irônico, irreverente, beberrão, envelhecido e sempre com trajes sujos e velhos, vivia pelos botequins e dormia nas ruas, sobrevivia de alguns biscates e de desenhar Jesus Cristo no chão, com carvão, em troca de moedas que lhe jogavam. Era despojado de tudo.  Diziam que sua família tinha boa condição social e vez por outra o recolhia, dava-lhe boas roupas e uma vida condigna, mas sempre o velho voltava às ruas. Era a vida de que gostava.   
Eu o admirava, porque, apesar da pouca idade, via nele algo novo, totalmente fora dos padrões que eu conhecia, uma espécie de repúdio ao bom-mocismo tão hipocritamente professado pelas pessoas e a sociedade em geral.  E justamente naquela época eu já começava a renegar a figura do bom-moço, do bem-ajustado às ideias dos pais "perfeitos"  e cheios de princípios morais pouco sinceros e muito duvidosos.  Lobato  era o desprendimento, a desambição e talvez me tenha exercido alguma influência. Possivelmente porque me lembrasse, guardadas as devidas proporções, Diógenes, o filósofo grego totalmente desapegado das convenções sociais e cujos únicos bens eram um tonel que usava para abrigar-se do frio e uma cuia com que bebia água, a qual jogou fora após ver um menino fazê-lo convertendo as mãos uma concha. As histórias que me eram contadas do pensador me fascinavam Talvez o indigente misturasse Diógenes com Jesuíno Galo Doido, o anárquico velho vagabundo de "Os Pastores da Noite", de Jorge Amado ( não conhecida ainda eu o Quincas Berro D´´Agua). 
Não sei o exato motivo: só sei que me encantou, porque eu estudava à tarde e, embora ainda não bebesse, passava as manhãs sentado a mesas de botequins, só para ouvi-lo contar suas histórias e ficar a conversar com ele.  Um dia me contou que na juventude fora militar e, num baile do pessoal das forças armadas, dançara com a mulher de um oficial superior, com quem flertara durante a dança. Soube (ele) que depois, manifestado o ciúme do marido, a moça confessara  acintosamente que gostara do comandado: por isto, o oficial teria conseguido um pretexto para desempregá-lo.  
Não contava do que teria vivido antes de optar pela mendicância... ou se ter-se-ia entregado à indigência lopo após o episódio.  Mas o fato é que gostava de andar com roupas sujas e velhas e de viver dos expedientes de que já falei.
Vez por outra sumia.  Quando se perguntava pelo velho, diziam que havia morrido. Passavam-se dois ou três meses, reaparecia.
- Lobato, mas disseram que você...
- Que eu tinha morrido, eu sei.
Brincalhão e divertido, outros jovens gostavam de ficar em torno dele.  Os mais maduros gostavam de ocupá-lo para confabulações mais sérias e mais cultas.
Sumiu duas, três vezes, e voltou sempre se dizendo sabedor do boato de que morrera.  Uma vez desapareceu e nunca mais voltou. Uns quinze anos mais tarde alguém me contou  que realmente morrera: resolvera integrar-se à sociedade, fora morar com a família, arranjara um emprego de motorista e morreu num acidente de  automóvel.
O nome do homem não é fictício, era este realmente culto, irreverente e respeitado pelos que também o eram(cultos), vivia embriagado e ganhava a vida com desenhos no chão e biscates, mas todas as outras histórias soube através dele próprio e das pessoas que o rodeavam. Até a morte soube por intermédio de um conhecido comum.  Mas que era uma criatura fascinante, inegavelmente era.

Barão da Mata  

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