Orson Welles entrou para a história do cinema como, se não o maior, um dos primeiros entre os gênios das produções cinematográficas. Homem de temperamento forte e de vontade obstinada e férrea, foi um dos diretores mais geniais e competentes, e sua determinação o conduzia às raias da arbitrariedade em relação aos seus atores. Dentre os seus trabalhos, o que ficou no rol das maiores e mais marcantes produções cinematográficas de todos os tempos foi "Cidadão Kane", produção de 1941 que lhe rendeu a consagração mundial como diretor e ator, além de uma série de problemas.
Órfão de mãe ainda aos oito anos e filho de um alcoólatra, Welles perdeu também o pai por volta de um decênio de vida e houve de ingressar num internato. Definido por todos desde os primórdios da existência como gênio, por revelar de fato pendores artísticos e sinais de que realmente era um prodígio, com esta convicção (fundada na realidade) ingressou no mundo das celebridades, tornando-se locutor de uma rádio em Nova Iorque ainda por volta dos vinte e dois de idade. Já havendo realizado algumas experiências bem sucedidas no campo das artes dramáticas, dirigindo peças de Shackespeare por volta dos vinte anos, em seu trabalho na emissora teve uma atuação absolutamente impudente com o fito de obter audiência: fazia alardes, provocando pânico geral com seus anúncios de que a terra estava sendo invadida por extraterrestres. Relatava aos berros, em tom dramático e desesperador que os alienígenas incendiavam com suas armas poderosas civis e agentes da polícia. Aterrorizou Nova Iorque com a sua mentira, desobedecendo as determinações do próprio patrão no sentido de parar com aquele teatro hediondo. O procedimento o levou a interrogatório policial e, instado a responder se não tinha ideia do imensurável transtorno que criara, alegou inocência. O episódio abriu-lhe as portas de Hollywood com o salário mais bem pago da época.
Após longo tempo sem nada produzir e ter o emprego ameaçado, ganha do roteirista amigo Hermann J. Manckievick a indicação para atuar no que seria a imortal obra-prima, "Cidadão Kane", baseado num personagem real, William Randolph Hearst, milionário e o mais poderoso dono de empresas jornalísticas do mundo.
Randolph era nascido em berço de ouro, filho de um abastado minerador, era egocêntrico, sem pudor e obstinado como Welles. Entre suas façanhas há o conflito entre a Espanha e os Estados Unidos pelo domínio de Cuba, por ele criado e provocado em prol de projetar e aumentar a tiragem dos seus jornais. O empresário cobriu pessoalmente os combates, além de haver capturado vinte e nove soldados espanhóis na ilha e os haver obrigado a bradar vivas a George Washington, também com o objetivo de criar um fato sensacional paras vender mais jornais. Transformou em heroica vítima cubana que tentara libertar o pai dos militares da Espanha uma espanhola aventureira que objetivara seduzir e matar um oficial da mesma nacionalidade, conseguindo dar-lhe fuga mais tarde. Inúmeras outras vezes inventou e produziu fatos e fraudes apenas para se beneficiar e aos seus negócio de mídia. Vivia num palácio, pretendia presidir os Estados Unidos, empresa na qual não teve sucesso, mas que dá uma ideia das dimensões da sua ambição e sede de poder.
E é justamente este homem o escolhido por Manckievick e Welles para se colocarem em rota de colisão. Não obstante a advogada de Randolph fazer várias ameaças e o empresário tentar comprar os originais e cópias do filme, que entre outras coisas expunha a sua relação conjugal conturbada com uma ex-corista infiel e trinta e cinco anos mais nova, a obra estreou e foi um sucesso esplendoroso de bilheteria.
Ferido em seus brios, abandonado pela mulher por conta de outros assuntos, William Randolph Hearst morreu dez anos depois, mas não sem antes deixar um maldito legado a Orson Welles: a acusação de que o cineasta servia ao comunismo e aos interesses de Moscou.
Inocentado posteriormente, Welles nunca mais dirigiu uma produção do porte de "Cidadão Kane", e viu sua carreira entrar num gradual processo de declínio, dirigindo seu último filme em 1973 ("Verdades e Mentiras"), não conseguindo a partir dali nada além de atuações em comerciais e trabalhos em troca de cachês, mas nunca de salários. Experimentou uma obesidade mórbida que o colocava durante longos períodos em cadeiras de rodas, viu-se falido, sem sucesso e sem público, até sua morte, em 10 de outubro de 1985, época em que era conhecido pelas mais novas gerações americanas apenas como o homem que fazia propagandas de uísque.
Barão da Mata
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