Pobre Pastor Isaías! O nome bíblico já mostra seus dons divinais. Isaías fora o profeta que anunciara a vinda do Messias setecentos anos antes do nascimento deste. Um predestinado então nosso santo salvador de almas, condutor de ovelhas, propalador da palavra de Deus, ardente e veemente servo de Jesus, missionário do Senhor devotado à causa de lapidar e aperfeiçoar os espíritos para o ingresso no Reino dos Ceús.
Pobre Pastor Isaías! Foi morrer justo num puteiro! Mas nenhum homem pode fugir ao seu destino. E esse destino fora-lhe dado pelo Pai Eterno, que quer os homens evangelizados, achados sejam esses onde quer que seja. Apesar de ter morrido num lugar tão vil , num espaço tão hostil à virtude e tão impregnado de pecado, nosso amado cristão só ali estava porque cumpria a incumbência que todo bom evangélico se dá de prestar a caridade e apregoar a Palavra mesmo nos locais de mais lascívia, de maior degradação humana, os antros mais ignóbeis e sórdidos, porque pretendem sempre, a despeito dos ambientes em que venham a pisar, ensinar aos pecadores o caminho da honra, da retidão e da salvação.
O Nobre Pastor, elevado, ascético, adentrou o prostíbulo sem a bíblia sob o braço porque os seus mais de vinte anos de dedicação a Jesus já lhe permitiam saber de cor e repetir aos degenerados os versículos, as parábolas, os salmos, os mandamentos e as diretrizes do Todo Poderoso. Pois assim, munido do conhecimento e pejado de bondade, Isaías adentrou o alcoice e, após cumprimentar os seguranças e garçons, homens que há mais de dez anos tentava converter nas três vezes semanais em que ali entrava... Após cumprimentá-los, o bondoso cristão dirigiu-se às moças que ali dançavam e se exibiam nuas ou semidespidas, e o modo como com elas lidava era pleno de simpatia e de sorrisos, tão benevolente era o sublime religioso que não tinha preconceitos nem se dava a discriminações para aquelas pobres mulheres distantes do mérito e da grandeza, mas que por ele eram olhadas com olhos cheios de atenção e interesse. Comove-me saber que o Bom Pastor, afável e terno como todo ser do bem, além de sorrir-lhes tocava-as carinhosamente pelo corpo inteiro, demorando-se um pouco nas regiões mais íntimas, talvez por assim tentar entender por que meras partes do corpo feminino podem trazer em si o estranho poder de desviar os homens e levá-los à perdição.
Examinava, examinava o Santo Pastor e, após sorver um comprimido azul com uísque -- zeloso da própria saúde --, resolveu escolher três dentre aquelas pecadoras para pregar-lhes os santos ensinamentos no quarto, talvez para não serem incomodados pela música alta que tocava no salão.
A fé e a missão dos homens escolhidos por Deus levam-nos a tantos sacrifícios! Como não bastasse haver de adentrar a alcova com aquelas pecadoras contumazes, a humildade fez que o iluminado mestre se despisse como elas. São terríveis as provações por que tem de passar um humano que se dedica a servir a Deus em toda a plenitude da expressão: entre uma e outra dose de uísque (talvez para poder suportar o martírio a que se submetia), o puro Pastor teve de vencer toda a repulsa, todas as náuseas e introduzir o angelical pênis naquelas tão indecentes criaturas.
Assim, não é de surpreender que o grandioso devoto tenha sucumbido no meio do cumprimento do seu alto dever de cristão, caindo sem vida para um lado, os olhos arregalados e a boca aberta como se fora cantar um cântico aos Céus. Dizem muitos religiosos que Deus não dá a um filho uma cruz mais pesada do que a que ele possa suportar, e foi arrebatando-o que o Senhor livrou-o daquele mal de estar desnudo em meio a toda aquela triste libertinagem.
O Pastor Isaías foi um mártir que sacrificou a própria vida tentando purificar almas naquele lugar tão corrompido, imoral, tão vicioso e tão infernal. Homens como o Pastor Isaías vão sempre para o Reino de Deus... e passam a fazer parte daquela legião de anjos de que o Senhor se cerca para tornar o Céu um lugar ainda mais belo e magnífico.
Barão da Mata